2015/01/19

Lonely People 89


Tudo tem fim e vai doer quando terminar, sabiam disso. Sob tal previsão, ficariam juntos enquanto o encerramento não ocorresse, tragando realismo e dispensando a invenção de um conto de fadas para encenar uma história em que tudo terminaria bem e viveriam (unidos) felizes para sempre. Esse pessimismo talvez masoquista era essencial na formulação de uma anestesia para a dor. - Prefiro só a primeira parte. - disse ela, encostando os pés no chão e encarando o rapaz.
- Mas a gente pode lutar pra que a segunda parte seja menos influente possível.
- "Lutar"… Isso é uma guerra? Eu sei que sou muito competente pra estragar tudo e ainda te machucar.
- De novo eu usando termos errados. Não é "guerra". A gente pode enfrentar as merdas juntos, é isso. Mas eu tenho cicatrizes suficientes pra enfrentar a dor que você poderia me causar, não que eu esteja te motivando a me machucar...
- Não pretendo... Preciso deitar.
- Quer remédio?
- Preciso ficar em silêncio no escuro.
- Ok.
- Mas a gente ainda termina essa conversa.
Deitaram-se e sonharam acordados com carícias e respirações tranquilas. No dia seguinte, ela voltaria pra São Paulo. 

Nos últimos quatro dias, o rapaz não teve folga no trabalho, ocupando seu dia com assessorias, fontes, entrevistas e matérias; e as 18 horas restantes com a companhia da moça, que, enquanto o rapaz trabalhava, ocupava-se de conhecer a cidade, principalmente as “bocas do lixo” da região central. Adora a mitologia da marginalidade urbana, putas, travestis, traficantes, drogados, empresários chineses etc. Esses lugares sujos, habitados por seres marginais, estranhamente lhe encantavam. Num dos passeios solitários, caminhando pela R. P. C. C., ao lado do maior parque central da cidade, cruzou com algumas mulheres que vendem seus corpos e as invejou. Como conseguem ter tanta coragem de se exporem a homens na maioria dos casos asquerosos e doentes em troca de sobrevivência, questionou a si mesma. Admirava-as. Respeitava-as. Amava-as platonicamente. Acreditava na impossibilidade de um amor concreto e recíproco com alguma delas por julgar-se incapaz de alcançar a santidade dessas mulheres. Queria conversar com uma moça de vestido roxo sentada charmosamente num banco encarando o lago, mas preferiu não interromper o estado de transe no qual ela se encontrava, parecia não estar ali.
Ao invés de virar à direita e seguir ao local de trabalho do jornalista, confundiu-se e pegou a esquerda, passando por bares e restaurantes cheios de mulheres da vida, velhos barrigudos e orientais, além de uma igreja, a coisa mais bizarra que poderia existir naquela rua. Percebeu a rota errada ao alcançar a R. X. d. N e fugiu da multidão de gente que ia e vinha naquele corredor comercial assustador. Seguiu novamente pela R. P. F. e reencontrou seu caminho correto. Seu último dia em Curitiba estava terminando e ela jurava que não sentiria saudade do lugar, mas se conhecia bem e, hora ou outra, a falta do rapaz invadiria seu peito, quebrando qualquer juramento. "Distância faz bem", proclamava.

Na rodoviária, a poucos metros do portão de embarque, ele a parou, repousando suas mãos nos ombros da moça e disse:
- Vamos ficar bem, tá? - Em seguida, subiu as mãos ao rosto da garota, segurando aquela cabeça tão cheia de coisas que o faziam bem, e beijou sua boca. Ela só conseguiu assentir com um sorriso, antes de tentar dizer qualquer coisa, e recebeu outro beijo. Abraçaram-se intensamente. Ela se encaminhou ao portão. Ele se abaixou para amarrar seus cadarços e, ao se levantar, já não enxergava mais a moça.

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