2015/06/01

Sem título I - III


Acordei. Eu ainda estava ali em meu quarto. Ele… Também. Inspirava com certa intensidade e expirava na mesma medida. Ainda estava comigo. E eu também ainda estava com ele, estaria mesmo se em continentes diferentes, separados por algum oceano maior que a gente.
Enquanto tentava me lembrar de mínimos detalhes de meu sonho, uma situação envolvendo intolerância à lactose e um reality show gastronômico, levantei, fui ao banheiro lavar minha cara e, em seguida, à cozinha esquentar água pro meu café e pro chá dele. A água fervia e eu lia uma matéria sobre fragmentação literária, um assunto que, desde que entrei na vida de ler em média quatro livros por mês, me interessava bastante, mesmo sem saber que havia um termo técnico para descrevê-lo. Não que eu fosse afim da teorização disso tudo, mas gostava desse tipo de história que, pra mim, reflete sinceramente como eu mesma e, creio, muita gente relata suas vivências, deixando alguns detalhes de fora e abrindo parênteses repentinos. Preferia infinitas vezes uma história podada, aos pedaços, Bonsai, por exemplo, do que um romance naturalista, o que seja, como Inocência. Li o primeiro com toda a vontade do mundo, ao contrário do outro, que me tomou dois meses de vida. Nada contra, principalmente a respeito da escrita, que não é péssima, mas, não, não tinha paciência. Quem me ouve falando isso, pensa que não me interesso por livros com mais de cem páginas, mas é só olhar para minhas estantes e encontrar obras como Guerra e Paz, O Tempo Perdido, e a maior ironia para quem diz não gostar de coisas do período cujas descrições de um pequeno quarto ocupam cinco páginas, A Comédia Humana - por mais que esses textos balzaquianos migrassem entre Romantismo e o Realismo. Quem sou eu para ter autoridade sobre teoria literária? Ninguém. Apenas uma pessoa que trabalha há cinco anos num sebo. No mesmo instante em que a chaleira começou a apitar, o gato surgiu de seu reino de trevas pedindo atenção. Deixei o jornal de lado, desliguei o fogão e servi comida para o felino, que ignorou o café da manhã para deslizar entre minhas pernas. Fiz meu café e tentei decidir o que fazer na hora que tinha para matar até o horário de sair para o trabalho. Poderia acordar a pedra em minha cama para não comer sozinha, mas, como era sábado, seu raro dia de folga, melhor que ele ficasse hibernando até a primavera chegar. Após dar umas beliscadas em seu pote de ração, o animal novamente despareceu. Retomei minha leitura, tomando café e comendo o resto de sanduíche que havia feito e abandonado noite passada.

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