2016/01/27

Lucidez ou Ceci n'est pas un revê

Não se lembram como chegaram àquele lugar. Enxergava-se tudo em preto e branco, o penteado de L. estava diferente do último e distante encontro, as tatuagens nos dedos de F. estavam mais apagadas, assim como os cigarros que ambos tanto fumavam. Não mais. Não mais fumavam. Não mais se encontravam. Até então. Os detalhes específicos deste encontro escapam às memórias tanto de quem o narra quanto de seus personagens, porém alguns deles - os detalhes - são resquícios do passado cravado na pele de ambos, portanto ainda permanecem visíveis, mesmo que as lentes e as perspectivas tenham mudado. Falando em lentes, neste caso, de óculos, L. trocara a armação preta por uma azul marinho e isso incomodou F. um tanto, “nada contra azul, mas cansei de dizer que vermelho combina mais com você”, disse várias vezes, incluindo durante o reencontro, mas logo se corrigiu, “quem sou eu pra opinar qualquer coisa agora?”. Sentiam, enquanto encaravam a pessoa a sua frente ou tentavam se desfazer da visão turva para reconhecer os objetos ao redor, em uma calada constrangedora que invadia ali aquelas pessoas, que perderam quase toda a intimidade que tiveram outrora e neste instante são mais estranhos do que amantes. Tinham a impressão que já viram a cena que protagonizavam em outra história contada em bar, pedaços de papel ou imagens em movimento. Certamente, alguém viveu ou transformou em ficção uma situação idêntica. Precisavam de uma guia, mas, enquanto o socorro não vinha, teriam que dar um jeito.
Alguém precisava falar algo antes que fossem arrastados por águas de passado e rancor. 
L. disse que sentia a falta de de F., que concordou antes de ouvir o que L. ainda queria dizer: "A gente tinha tudo pra dar certo, mas você estragou tudo, não tem como tentar mais uma vez”.
Silêncio. Desolação. “Corta”, alguém berrou. Fim.

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