2014/08/10

Tirando a roupa para Sartre

- Eu tenho uma amiga que - ah, essas malditas pessoas que, sem nada a oferecer, nem uma grama de intelecto, começam a falar de amigas, amigos, conhecidos, conhecidas, enfim, que certamente têm algo interessante a mostrar a fim apenas de se gabar, como se de fato fosse grande coisa outra pessoa ter uma ou outra realização na vida, na falta de aprofundamentos pessoais - tem uma prateleira enorme no quarto dela. Metade, livros; metade garrafas de cervejas, vinhos e canecas como essa aqui - disse, levantando a que tinha em mãos.

- Ela é artista?

- Sim, como você sabe?
- Você tem uma cara de artista e como é tua amiga e tem livros e garrafas de cerveja, presumo que ela seja das Artes também.
O “artista” começou a ficar irritado com essas adivinhações do há poucos minutos conhecido.
- Deixa eu adivinhar, ou ela é alcoolista ou tem problemas com drogas ou traumas familiares ou algum vício pesado…
- É, mais ou menos - havia mais álcool do que sangue em suas veias, não sabia mais como pensar e falar decentemente, ainda mais com perguntas ou frases muito complexas. Ao invés de pensar em algo para prolongar o diálogo, mirou o garçom e pediu mais uma dose, seria sua terceira da noite.

Há tempos não saía de casa de bicicleta com a intenção de beber simplesmente até começar a falar inglês consigo mesmo ou ter que se apoiar na parede enquanto fumava seus caretinhas. Ainda quando raciocinando decentemente, decidiu levar seu cachecol azul é a cor mais quente para evitar que o frio ressecasse seu rosto. Lá pela meia noite e quarenta e poucos, no segundo bar da noite, quando o gelo dera lugar a hiperatividade, pegou a peça e enrolou no topo de sua cabeça. Sanidade desistiu de comandar o recinto e saiu.
- E esse turbante aí, Osama? - brincou o único homem além dele na mesa, que, aliás, era sua amizade, entre homens, mulheres, animais em geral, livros, filmes, mais antiga. Impulsivo graças ao álcool, resmungou:
- Sai daqui, seu racista.
Os dois se encararam e perceberam que as duas falas estavam cheias de ironia, sarcasmo, zoação, credo, ninguém mais sabia definir as coisa àquela hora da noite.

Saiu pra fumar com as amigas fumantes, deixando o novo casal sozinho na parte vazia do bar. “Get a room”, gritou o mais bebum antes de se retirar.
Sentados no meio fio, falando qualquer merda sobre qualquer bosta, foram interrompidos por alguém mais bêbado ainda, que queria puxar assunto com a loira de meia calça transparente, que encantava todos os caras da rua.
- Nice to meet you - disse o estranho encarando a moça.
- Oh, hi, what’s your name? - disse o rapaz, percebendo que sua amiga não fora com a cara do desconhecido.
- I’m not talking to you, sir.
- So get outta here.
- Eu só quero conversar com essa moça aqui, oi, moça, qual é o seu nome, quantos anos você tem?
- I’m looking at her from afar, she’s so attractive but she seems to like kissing girls.
- Fuck off.
- You fuck off, i’m not talking to you, you fucking stupid.
Permaneceram os dois assim, discutindo em inglês, por algum tempo, até que o estranho repentinamente se levantou e partiu, dizendo:
- Quero te ver de novo, moça, tchau, prazer.
- Eu não - disse ela, sorrindo cretinamente.
O amigo continuou a falar aleatoriedades em outro idioma, enquanto as amigas ao seu lado o xingavam e reclamavam da vida.

Antes de deitar e ler A Náusea, antes mesmo de fazer qualquer coisa em seu quarto, foi direto ao banheiro ter náuseas de verdade. Ninguém para ampará-lo, ninguém para evitar que sua cabeça fosse por água a baixo, ninguém para dizer “falei, você devia ter parada na terceira dose”, ninguém para nada. Após uma longa sessão de vômitos, sentou-se no chão do banheiro e fez o que há poucos segundos prometera não repetir: fumou mais um cigarro, que o deixou pior e colocou sua cabeça novamente pairando sobre a água da privada. Vomitou, vomitou, dormiu assim, desse jeito, escorado na privada, sozinho, fedendo vômito, cigarro e álcool. Horas depois, levantou-se como se nada demais tivesse acontecido, tirou toda sua roupa, jogando as peças atrás da porta e começou a ler o livro que tanto queria.
No dia seguinte, pequenos flashes da noite passada foram surgindo em sua mente, fazendo-o pensar num sermão para si mesmo:
- Porra, de novo, tenho que parar com essa vida loca. Vou ter que falar com o pessoal pra ver se não falei ou fiz algo muito errado. Espero que eu não tenha começado a falar em inglês sozinho...

Nenhum comentário:

Postar um comentário